Saudade lusitana






Eu amo tudo o que foi,

tudo o que já não é,

a dor que já me não dói,

a antiga e errónea fe,

o ontem que dor deixou,

o que deixou alegria

só porque, foi, e voou

e hoje é já outro dia.


FERNANDO PESSOA






"... tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo condizia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!



Ergueu-se de um salto, passou rapidamente um roupão, veio levantar os transparentes da janela... Que linda manhã! Era um daqueles dias do fim de agosto em que o estio faz uma pausa; há prematuramente, no calor e na luz, uma certa tranqüilidade outonal; o sol cai largo, resplandecente, mas pousa de leve; o ar não tem o embaciado canicular, e o azul muito alto reluz com uma nitidez lavada; respira-se mais livremente; e já se não vê na gente que passa o abatimento mole da calma enfraquecedora. Veio-lhe uma alegria: sentia-se ligeira, tinha dormido a noite de um sono são, contínuo, e todas as agitações, as impaciências dos dias passados pareciam ter-se dissipado naquele repouso. Foi-se ver ao espelho"




"O Primo Basílio", de Eça de Queiroz.





2 comentarios:

dulce dijo...

Qué difícil es aún desentrañar las palabras de la razón, mirarse al espejo y no mirar, sentir el miedo de asomarse a la ventana y no encontrar nada.

Hamartía dijo...

No hay mayor razón que lo que siente el corazón; bello es el mundo cuando miras a través de sus latidos. Sin miedo, frente al espejo, mirándose a los ojos, se presiente la vida, encontrándole sentido a todo. Se ve un mundo muy lindo en todas partes.